sexta-feira, 14 de setembro de 2012

UM DIA DE MESTRE


UM DIA DE MESTRE
Aridelson Ferreira


         Este dia começa como o de milhares de brasileiros, por volta das 6h da manhã, quando o despertador toca incessantemente uma música de perturbar qualquer sono. Só dá tempo para um banho rápido, apanhar o Kit professor, duas garrafas d águas uma maçã e duas barras de cereais. Ao sair pede-se a Deus um dia tranqüilo sem atropelos, pois diante de uma cidade extremamente tomada pela violência, entro no meu carro, aquele parcelado em 60 meses e vou em direção a Zona Norte no trânsito infernal de todos os dias, com muito acelera e para, durante pelo menos uma hora, chega então ao meu destino, uma instituição privada de ensino, na verdade um Feudo travestido de escola onde todos se odeiam e não suportam a educação, a recepção dos colegas sempre calorosas de uma certa forma amenizam um pouco o clima hostil, um pouco de café morno e sempre com pouco açúcar para acabar de acordar enquanto alguém na Coordenação faz bradar o primeiro sinal sonoro do dia. Eis o começo do expediente. Enquanto caminhamos ao encontro de nossos alunos sedentos pelo saber, penso da seguinte maneira, foi pra isso que estudei a vida inteira e é nisso que acredito até a morte, pois ensinar num país onde não se valoriza a educação é assim mesmo, pode faltar inspiração ao professor, mas jamais poderá faltar lhe transpiração.

         Mas lecionar queridos, para uma instituição privada é muito confuso, trabalhamos na verdade para três grupos distintos de pessoas com pensamentos e propósitos diferentes, os primeiros, os alunos claro atividade fim da educação, mesmo sendo os menos interessados no assunto, os pais destes alunos, que por pagarem acreditam que educação se compra, assim como se compram bananas, pagou levou, e o terceiro grupo, a Direção da escola, não menos pior que os anteriores, acreditam e fazem da educação um mero negócio, pois é dali que tira-se tudo, desde o status de poder mandar e desmandar em todos ao seu redor, até claro o seu pão de cada dia.

         Enquanto isso para agradar os alunos, “nossos patrões”, devemos ser alegres, bem humorados, amigos, parceiros, pais, psicólogos....enfim é um pacote educacional completo sem poder haver falhas em nenhum deles, devemos estar atentos a tudo e a todos. Para os pais, aqueles que subentende que tiveram a oportunidade de estudar, acreditam na educação de quantidade, cadernos entupidos de matérias e exercícios, tarefas para casa, pesquisas e outros.

         Já a nossa querida Direção Pedagógica, nome dado ao pomposo cargo, desliza com facilidade por diversas correntes pedagógicas, hora travestidos de escola tradicional, hora travestindo-se de construtivistas, mudam com muita facilidade de opinião de um instante para outro, pois em suas mentes brilhantes as variáveis educacionais são infinitas. Claro, pois falam com clareza que o PPP (Projeto Político Pedagógico) está em constante construção e nunca estará definido, na verdade estes se escondem diante desta forma de pensar para jogar para debaixo do tapete toda sujeira e incompetência. Basta analisarmos uma ligação de um pai para a Direção que dizia o Seguinte:

_  Escuta aqui Coordenadora, meu filho chegou em casa e só tinha uma folha de exercícios em seu caderno e somente duas páginas do livro para fazer, isso é um absurdo bradava o consumidor Pai. Do outro lado da linha a Coordenadora revestida de todo poder hora investida num cargo de tamanho respeito respondia ao Pai.

_ O senhor tem toda razão querido pai é um absurdo que um professor em dois tempos de aula, não consiga educar, ser amigo, psicólogo, médico, pai, mãe e só consiga passar duas páginas do livro e uma página do caderno, nós responsáveis pedagógicos pela educação de qualidade na qual o senhor confiou à educação de seu filho iremos tomar uma providência diante deste disperso professor. A coordenadora além de acabar com toda a metodologia de trabalho do profissional em questão, onde esta sequer tem ciência do que acontece dentro de uma sala de aula ainda aproveita para dizer as palavras mágicas aprendidas na famigerada faculdade de pedagogia ao encontrar o indefeso professor num de seus intervalos.

_ Professor o senhor precisa adaptar sua aula a realidade dos seus alunos o senhor precisa ser moderno, precisa se atualizar, avaliar de maneira global, avaliar as inteligências múltiplas, ser capaz de fazer que seus alunos absorvam todos os conteúdos que não aprenderam e todo o conteúdo ainda por aprender, é preciso que ele consiga entender sua mensagem.

         Cabisbaixo, sorumbático e macambúzio o professor balança a cabeça positivamente e aceita passivamente todas as criticas e promete a corretíssima coordenadora.

_ A senhora tem toda razão eu irei fazer todas essas observações em minhas aulas, farei a complementação dos conteúdos não vistos pelos alunos em anos anteriores, e posteriormente entrarei na matéria já lecionada dando uma revisão para que o nosso sofrido aluno possa entender esse complexo professor.    

         Logo após coordenadora e professor chegarem a um denominador comum, o telefone toca na secretaria novamente e é um outro responsável, não menos irritado, dizendo:

_ Escuta aqui coordenadora, eu e meu filho não temos tempo para ficar fazendo tarefas de casa, uma folha inteira de caderno com exercícios e duas folhas gigantescas desse livro, olha se eu pago a escola é para que o meu filho tenha aulas na sala de aula, pois eu não sou formado nessa disciplina e mesmo se fosse não é a minha obrigação ajudar meu filho nas tarefas de casa. Aí entra em cena a coerente e competente coordenadora com sábias respostas para todos os problemas.

_ Querido Pai o senhor tem toda a razão do mundo, afinal de contas também acho um absurdo um professor não saber administrar os dois tempos de aula que lhe são rigorosamente pagos e não conseguir resolver em sala de aula todas as tarefas com seu filho, iremos ser duros com esse profissional, pois como o senhor mesmo sabe somos uma instituição preocupada com o futuro de seu filho.

         A coordenadora manda chamar o professor na direção para verificar o que aconteceu e vai logo perguntando ao professor sem dar-lhe chance de falar nada.

_ Professor acabei de receber outra reclamação do senhor, um pai bom pagador me ligou e disse que o senhor está passando um monte de atividades para casa, e cá entre nós professor nós o pagamos para que o senhor resolva todos os problemas em sala de aula, este curso é presencial, para o aluno e para o senhor, então o senhor trate de resolver todos os exercícios do livro e do caderno em sala de aula.

         Nossa a cabeça do professor pirou. Num intervalo de 30 minutos ele recebe duas ordens da mesma pessoa com idéias completamente diferentes, tentando se explicar o professor fala:

_ Mas coordenadora tenho uma dúvida há pouco a senhora pediu que eu entupisse os cadernos de exercícios, pedisse um enormidades de páginas do livro e agora a senhora pede para que eu corrija todos os exercícios em sala e não passe atividades para casa?

         A diretora com uma cara de má mostrou-se completamente alheia aos reclames do professor e lhe disse.

_ Professor o senhor precisa atualizar-se, precisa entender melhor as necessidades de seus alunos.

         O sorumbático professor responde a correta e coerente coordenadora.

_ A senhora tem toda razão querida coordenadora, vou melhorar.

         O professor sai da sala se perguntando qual a metodologia a seguir, qual a filosofia da escola, será uma escola tradicional? .... Será uma escola construtivista?...., O modelo não importa muito nesse ambiente de trabalho. Trabalhamos feito prostitutas, nos adequamos de acordo com a vontade do cliente, estamos diante de uma metodologia revolucionária que seria o prostitutivismo, metodologia com a qual vivemos o tempo todo dentro de algumas instituições privadas.

         Ainda bem que esse professor trabalha meio período, o sinal toca guarda-se tudo sai correndo, pega sua barra de cereal e vai comendo diante de manobras, sinais de trânsito e buzinas, até que este profissional chega numa outra instituição desta vez uma escola pública, lá nos confins de Nova Iguaçu, num bairro chamado Nova Brasília, que fica a aproximadamente 80 Km da primeira escola, mais uma etapa desse dia de um mestre. Ao chegar na escola, deparo-me com diversos alunos que ao me verem começam a resmungar uns com os outros.

_ Nossa lá vem aquele professor chato de novo, poxa vida ele não falta, não chega atrasado, não fica doente, que mala.

         Olha só que engraçado, os alunos vão para escola e ficam torcendo para que o professor falte, se atrase ou nunca mais apareça na escola, incrível se os mesmos não fossem a escola esse problema se resolveria com facilidade.

         Mais um educador dedicado, compromissado com uma educação de qualidade acredita sempre que podemos promover uma revolução pela educação, não se pode desanimar! Bola pra frente vamos a luta por mais uma etapa nesse já conturbado dia, cada turno é uma nova etapa, novo recomeço. Daí, ao adentrar a sala dos professores me deparei com um ambiente muito desanimador, colegas chateados, cansados, stressados, mal humorados, mal pagos, desrespeitados por tudo e por todos um verdadeiro clima de velório e a tarde mal começou, a coordenadora de turno entra toda hora na sala para verificar a quantidade de docentes presentes, para que assim ela possa fazer a separação das turmas de acordo com o número de salas, após este levantamento, lá vem o sinal sonoro de início de turno. Muitas faltas, por este motivo é preciso que os profissionais que vieram juntem turmas já enormes ou façam verdadeiras maratonas de sala em sala fazendo a conhecida “paralela”, nossa enfim um sorriso amarelo timidamente aparece no semblante dos mestres, ao vislumbrarem a possibilidade de sair 50 minutos mais cedo, então ao bater o sinal, os cansados e sofridos mestres partem para apanhar suas armas: giz, livros, pastas e outros apetrechos, enfim o tão aguardado encontro se aproxima as salas de aulas já estão sendo agredidas com cadeiras e carteiras que são arrastadas de um lado para o outro alunos se reúnem como guetos ou facções, espalhados pela sala de aula, alguns esperam na porta da sala causando uma enorme algazarra no corredor sem contar que os mesmos levam até o final a esperança de o professor aquele que eles viram chegar e sabem que não costuma faltar, desistir de vir lecionar para eles. Por outro lado o professor caminha vagarosamente para sala com intuito de fazer o tempo passar ou na expectativa que alguns daqueles alunos fujam da sala, mais nem uma coisa nem outra acontece, o encontro será inevitável, faltam alguns metros para chegar até a sala e os alunos ao avistarem o inimigo mortal, começam a resmungar baixinho.... ninguém merece essa aula. Enfim o grande encontro alunos que não querem aprender com professores que estão nos seus limites psicológicos para ensinar. Um verdadeiro desastre pedagógico.

         O professor entra senta dá boa tarde 1% da turma responde enquanto a outra parte sequer viu que a entrada do mestre. Lá no fundo antes mesmos do diário ser aberto aos berros um aluno chamado João Paulo cujo codinome entre os colegas é Jojoca, fala ao professor.

_ Fessô posso ir ao banheiro, posso beber água, e o professor diz não. O aluno resmunga para os colegas:

_ Tá vendo aí porque eu não consigo tirar notas boas com esse cara, ele não gosta de mim!!

         O professor calmamente abre o diário e começa a fazer a chamada enquanto aqueles alunos que lá no começo estavam conversando na rua, continuavam a conversar, e aí o professor começa 1, 2, 3 .........42.......56......60, enfim 30 minutos depois após aquela interminável lista de presença, pode verificar que a sala tinha apenas 35 alunos, daí o professor se levanta e escreve o seguinte título:

Independência ou morte

         O título chamou atenção de Jojoca que em represália a negativa do professor em deixá-lo ir ao banheiro, resolveu ironizar o título e falou:

_ Fessor, pra que eu vou estudar uma coisa que quando aconteceu eu não era nem nascido?

         Com aquela calma movida a medicamentos o fragilizado professor responde a Jojoca, você precisa conhecer seu passado meu filho, para que possa corrigir e aprender com os erros e assim ter um futuro melhor.

         Alegremente Jojoca responde:

_ O meu futuro fessor, sei lá... eu vou ser jogador de futebol, vou ficar milionário enquanto o senhor, que diz ter estudado a vida toda, ter lido livros enormes, ter perdido diversas noites de sono , hoje com 20 anos de serviço, tem um carro velho cuja prestação consome toda essa miséria que recebe, além de estar hipertenso, fora do peso, mal vestido, com insônia e síndrome do pânico, não pode servir de referência pra mim, não pode me dizer que estudar fará bem para o meu futuro, quer saber o senhor é um mentiroso.

         A tranqüilidade química do professor está por um fio, ele se levanta diante de tantas verdades se aproxima de Jojoca, cego, vendo seu diploma ser rasgado por um idiota que sequer sabe escrever o próprio nome, com os punhos cerrados com os olhos cheios de lágrimas com seu orgulho ferido e eis que soa o “gongo”, toca o sinal, é fim de tarde e os alunos saem todos correndo para casa derrubando tudo que encontram pela frente, arrastando novamente as cadeiras sujando toda sala com um monte de bolinhas de papel, um fim de aula trágico.

         Mas o nosso bravo professor não desiste afinal de contas ele ainda tem o terceiro turno, já são 17hs e ele retorna às 18hs para dar aulas no supletivo. Ufa              

           




                           











Um comentário:

Sylvia Helena Arcuri disse...

Não poderia ter sido melhor escrita essa sua crônica. Adorei!